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quarta-feira, janeiro 04, 2006

O "mestre"

Houve um tempo em que tínhamos melhores mestres. Estes eram responsáveis por ensinar, por guiar seus pupilos pelas estradas do conhecimento e da vida. Estes mestres de antigamente nem mesmo precisavam de um título de mestrado; até mesmo a professorinha do primário era chamada de "mestra". E fazia jus a isto!

Os mestres de hoje são diferentes. Só são assim chamados os que possuem o título. É justo, é justo... Eles estudaram para tal e não querem ser confundidos com a professorinha que sua diariamente para ensinar a ler e escrever aos seus alunos, muitas vezes em péssimas condições de trabalho. Os de hoje buscam mais é impor a sua agenda aos alunos e à população em geral, distorcendo fatos, usando e abusando de argumentos de autoridade - a autoridades deles, lógico. De indivíduos responsáveis por abrir os horizontes da juventude e da população, os novos "mestres" tornaram-se apenas doutrinadores que se comportam como simples recrutadores de agentes para suas causas.

Foi um destes novos "mestres", o sr. Alexandre de Oliveira Kappaun, que é Mestre em Estudos de Gênero pela Central European University, que escreveu um artigo sobre a questão do aborto para o JB. O título, panfletário como só poderia ser, é "Pela legalização do direito ao aborto". Caso alguém deseje lê-lo, clique aqui. De qualquer forma, todo o artigo vai abaixo picotado e em vermelho.


Mundo idealizado

Assim começa o artigo:

"É importante deixar claro que defender a legalização do direito ao aborto é diferente de fazer uma apologia do aborto como medo contraceptivo. O aborto não deve ser visto como método anticoncepcional, como é o caso da pílula, da camisinha e de outros contraceptivos. É claro que, paralelo à legalização do aborto, devemos, como sociedade, tornar mais acessível à população brasileira os métodos anticoncepcionais ''tradicionais''. O direito ao aborto deveria ser exercido, em último caso, quando houvesse uma gravidez indesejada."

No mundo de idealizado do Sr. Kappaun, talvez o aborto não seja visto como método anticoncepcional. Nós aqui do mundo real bem sabemos que, além de ser inaceitável sob qualquer ótica (religiosa, moral, etc.), o aborto é largamente usado como método anticoncepcional. E para sermos bem honestos, bem mesmo, o autor escorrega feio na última frase deste parágrado, pois apesar de iniciá-lo como uma simples defesa do aborto como um suposto "direito", ele mesmo se contradiz ao dizer que o tal "direito" deve ser exercido em último caso. Ou seja, ele mesmo admite que o aborto é o "último dos últimos" (segundo a sua ótica de "contos-de-fadas",claro) dentre os métodos anticoncepcionais. Faltou o "mestre" dizer que o aborto JAMAIS pode ser um método anticoncepcional, pois a concepção já aconteceu!


Fora homens!!

"Nós, homens, seja individual ou coletivamente, seja através de ''nossas'' instituições patriarcais (Igreja, Estado etc.), já interferimos demais na sexualidade e nos direitos reprodutivos das mulheres. Inúmeros Estados adotaram políticas pró-natalistas para determinados grupos étnicos ou anti-natalistas, para outros. Um exemplo é o caso recente da Eslováquia, que vem sendo acusada de esterilizar mulheres ciganas, ao passo que as mulheres eslovacas seriam incentivads a terem filhos. Em países como a China e a Índia, dentre tantos outros, mulheres são ''obrigadas'' a abortar os fetos do sexo feminino, devido a pressões socio-culturais, enquanto são obrigadas a gerarem meninos para os seus maridos. Já não estaria na hora de deixarmos as mulheres decidirem o que querem fazer com a sua sexualidade, com os seus corpos, em suma, com os seus direitos reprodutivos?"

Aqui o autor tenta infantilmente alijar os homens da discussão. É mais ou menos como se ele dissesse que o problema de repressão a seqüestros é lá com os seqüestrados e seqüestradores, nada tendo a ver com o restante da população. Ou como se na Alemanha nazista o "problema judaico" fosse apenas dos judeus. Isto de ficar particionando a sociedade para impor argumentos só leva a distorções e só traz problemas gravíssimos no futuro, além do que questões relativas à vida são de interesse de TODA a sociedade. Está na hora, sim, de cobrarmos dos governos que às famílias, às mulheres sejam dadas condições de criarem bem seus filhos, com saúde, educação, alimentação, etc. O fato é que esta discussão passa, necessariamente, pelo status que se dá ao fruto da concepção, e é exatamente isto que o Sr. Kappaun evita neste curto artigo. Os Pró-Vida, como nós, jamais evitam esta questão e afirmamos sem qualquer dúvida que o embrião é já um ser humano com o mesmo direito à vida como qualquer um de nós.


Constituição Brasileira e "Direito Supra-Estatal"

"A comunidade internacional, a partir de uma ampla discussão realizada no âmbito da ONU durante as conferências mundiais de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e da Mulher (Beijing, 1995), reconheceu que o aborto é uma questão de saúde pública e de direito reprodutivo. A partir deste reconhecimento podemos afirmar que o direito ao aborto é um direito supra-estatal. Hoje, mais de 60% da população mundial vivem em países que respeitam este direito. Os países nórdicos, por exemplo, os mais avançados em termos de direitos sociais, há muito já garantem este direito à sua população feminina. Seriam, então, as mulheres brasileiras ''cidadãs mundiais'' de segunda classe, com menos direitos?"

Eu gostaria de ver demonstrado este argumento do Sr. Kappaun... Direito ao aborto é um direito supra-estatal? As "feministas" que se reuniram em Beijing podem bater o pé, fazer beicinho, chamar o síndico, dar "pití" e mesmo assim não vão conseguir impor sua agenda às nações. Já que o autor sentiu-se à vontade em invocar questões de Política Internacional para pseudo-argumentar, talvez ele devesse ler algo do que o admirável defensor da causa Pró-Vida, Dr. Ives Gandra Martins, tem escrito. Já foi demonstrado à exaustão, pelo Dr. Gandra Martins, que o Brasil tem, em sua Constituição, como cláusula pétrea, o dever de cumprimento de acordos internacionais assinados. Pois bem, o Brasil é Signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que considera o início da vida a partir da concepção. Invocar um suposto direito supra-estatal para burlar a Constituição é coisa meio bizarra a meu ver.


Questão polêmica?

"O direito à vida do nascituro é uma questão polêmica nos meios científicos e filosóficos. Mesmo admitindo que a vida começasse no momento da fecundação (o que não é uma unanimidade), que critérios caracterizariam a vida humana? Na verdade, a vida humana caracteriza-se por autoconsciência, subjetividade, capacidade de comunicação e raciocínio. Será que o feto já possuiria algum destes atributos?"

O direito à vida é uma questão "polêmica"??? Eu pensava que a questão realmente polêmica fosse, na verdade, o momento em que se inicia a vida. Aliás, até mesmo esta questão só é polêmica para quem quer que assim seja. Os que olham para a questão com uma mente aberta vêem que logicamente só faz sentido que a vida comece na fecundação. Os que advogam que não é assim é que ficam com o ônus de demonstrar em qual momento mágico, após a fecundação, ocorre o início da vida. Até hoje estão devendo tal demonstração. As tais características que o autor elenca como as de uma vida humana me traz à mente o terrível caso de Terry Schiavo. Foi pela alegada falta de algumas destas "características" que decidiram matar por inanição um ser humano. Deus queira que o Sr. Kappaun não tenha jamais que decidir o que fazer com um parente seu que estiver em coma, que jamais tenha um filho com necessidades especiais. Temo pelo que aconteceria em casos assim.


Alhos com bugalhos...

"Seria o direito à vida um valor absoluto? Não vemos muitas situações nas quais seres humanos abdicam do seu próprio direito à vida em prol de uma causa que crêem maior? Há pouco tempo tivemos um bispo católico que estava disposto a morrer para evitar a transposição do rio São Francisco. Mas, pode-se argumentar que este tipo de sacrifício é voluntário, o que não ocorre no caso de aborto. E quando soldados são enviados para a guerra? Foram, todos eles, voluntariamente? Não seria a guerra, esta sim, um morticínio, já que estes ''não-voluntários'' possuem plenamente autoconsciência, subjetividade, capacidade de comunicação e de raciocínio? Entretanto aceita-se com naturalidade as guerras, mas não o aborto!"

Alhos com bugalhos é pouco... E o autor ainda é "Mestre em Estudos de Gênero"?? O pseudo-argumentar é uma das maiores tentações dos dias atuais. Todos têm opiniões, o que é normal. O anormal é ter opiniões sem quaisquer fundamentos, isto é que é grave. Falar "é isto que acho e danem-se os demais" só serve em discussões infantis. Primeiramente o Sr. Kappaun compara o morticínio de seres humanos ainda não nascidos à voluntariedade de alguns que sacrificam suas vidas. A tempo ele nota que tal afirmação é facilmente contra-argumentada. Ok, muito bem. Só que foi patética a emenda do soneto. Ficar comparando seres humanos ainda não nascidos com soldados enviados a guerra é coisa que foge a qualquer entendimento sadio. Argumentar como o autor nos levaria à conclusão, por ele não desejada, que nos EUA o aborto deveria ser proibido imediatamente pelo simples fato de que lá as Forças Armadas são profissionais e os soldados são voluntários.


Os "mestres" lêem best-sellers da moda!

"Steven Levitt, o autor de Freakonomics, conseguiu demonstrar que a legalização do aborto nos Estados Unidos levou, indiretamente, a uma redução da criminalidade e a uma melhora na qualidade de vida da sociedade norte-americana. Não seria melhor que optássemos por ''qualidade de vida'', ao invés de ''quantidade de vidas''? Na própria Bíblia não está escrito que ''mais feliz é aquele que não chegou a nascer'' (Ecl 4,2-3)? É claro que, num Estado laico, não deve caber à Bíblia o poder de legislar! A questão da legalização do direito ao aborto deve ser vista e debatida na sua justa medida: um importante passo rumo a uma melhor qualidade de vida para brasileiras e brasileiros!"


Pois é... O Sr. Kappaun pegou um suplemento literário de um grande jornal qualquer, viu que o livro de Steven Levitt estava nas primeiras posições em vendagem e foi lá comprar. Imagino que deve ter ficado maravilhado com a demonstração que o Sr. Levitt faz da tal queda da criminalidade ocorrida após a legalização do aborto. Só que o Sr. Kappaun, o "mestre", "esqueceu-se" de ir atrás de outras fontes que contestam a tal demonstração de Steven Levitt. Fizesse ele um pouquinho de esforço, uma simples pesquisa no Google ou coisa parecida, ele saberia que vários pesquisadores contestaram as afirmações do Sr. Levitt e não acharam a tal relação entre aborto e criminalidade. Alguns outros pesquisadores apontaram para o fato de a queda da criminalidade coincidir com o domínio das autoridades policiais sobre a praga do "crack", que grassou entre os jovens nas maiores cidades norte-americanas. Cientistas como Theodore Joyce (National Bureau of Economic Research) e Alfred Blumstein (Criminologista - Carnegie Mellon University) vêem nenhuma ou bem pouca influência da legalização do aborto. O Sr. Kappaun, o "mestre", não deu pelota para outros pesquisadores que têm pensamento contrário ao de Steven Levitt. Talvez ele pense que um autor de best-seller, diga o que disser, deva estar certo de qualquer maneira.

Agora, o golpe baixo veio exatamente quando o autor tenta utilizar-se da Bíblia para justificar o aborto. Um absurdo que o Sr. Kappaun pesque um versículo soltíssimo e o adapte à sua nefasta tese. Ele pega um trecho de expressiva melancolia, estilo característico de certos trechos das Sagradas Escrituras, e que versa sobre as agruras que o homem passa neste mundo, mas que serve para os fiéis como contraste com a paz, a tranqüilidade do paraíso celeste. Nosso "mestre" transforma tal trecho em um simples modo de afirmar seus obscuros objetivos. Melhor faria se continuasse a citar os Steven Levitts da vida... Continuasse o autor lendo a Bíblia algumas páginas à frente, no mesmo Livro do Eclesiastes, ele poderia se deparar com o seguinte: "O homem não é senhor de seu sopro de vida, nem é capaz de o conservar. Ninguém tem poder sobre o dia de sua morte, nem faculdade de afastar esse combate; e o crime não pode salvar o criminoso."(Ecl 8, 8). Se o homem, segundo a Bíblia, não é senhor nem de seu "sopro de vida", seria do de outrem? Só mesmo um "mestre" para concluir que sim. O Sr. Kappaun só acha bom citar trechos soltos que o ajudem, mesmo que seja distorcendo o seu sentido.

Deus nos livre destes falsos mestres!

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